terça-feira, 16 de abril de 2013

Luís Gonzaga Pinto da Gama


Amo o pobre, deixo o rico, Vivo como o Tico-tico; Não me envolvo em torvelinho, Vivo só no meu cantinho: Da grandeza sempre longe, Como vive o pobre monge. Tenho mui poucos amigos, Porém bons, que são antigos, Fujo sempre à hipocrisia, À sandice, à fidalguia; Das manadas de Barões? Anjo Bento, antes trovões. Faço versos, não sou vate, Digo muito disparate, Mas só rendo obediência À virtude, à inteligência: Eis aqui o Getulino Que no pletro anda mofino. Sei que é louco e que é pateta Quem se mete a ser poeta; Que no século das luzes, Os birbantes mais lapuzes, Compram negros e comendas, Têm brasões, não — das Kalendas, E, com tretas e com furtos Vão subindo a passos curtos; (...)
Dou de rijo no pedante De pílulas fabricante, Que blasona arte divina, Com sulfatos de quinina, Trabusanas, xaropadas, E mil outras patacoadas, Que, sem pinga de rubor, Diz a todos, que é DOUTOR! Não tolero o magistrado, Que do brio descuidado, Vende a lei, trai a justiça — Faz a todos injustiça — Com rigor deprime o pobre Presta abrigo ao rico, ao nobre, E só acha horrendo crime No mendigo, que deprime. - Neste dou com dupla força, Té que a manha perca ou torça. Fujo às léguas do lojista, Do beato e do sacrista Crocodilos disfarçados, Que se fazem muito honrados, Mas que, tendo ocasião, São mais ferozes que o Leão. Fujo ao cego, lisonjeiro, Que, qual ramo de salgueiro, Maleável, sem firmeza, Vive à lei da natureza; Que, conforme sopra o vento, Dá mil voltas num momento. O que sou, e como penso, Aqui vai com todo o senso, Posto que já veja irados Muitos lorpas enfunados, Vomitando maldições, Contra as minhas reflexões. Eu bem sei que sou qual grilo De maçante e mau estilo; E que os homens poderosos Desta arenga receosos Hão de chamar-me — tarelo, Bode, negro, Mongibelo; Porém eu que não me abalo, Vou tangendo o meu badalo Com repique impertinente, Pondo a trote muita gente. Se negro sou, ou sou bode Pouco importa. O que isto pode?
Luís Gonzaga Pinto da Gama (Salvador, 21.6.1830 — São Paulo, 24.8.1882) foi um rábula, jornalista e escritor brasileiro. Filho de um fidalgo português, Nabor da Gama Filho, e de Luísa Maheu (ou Luísa Mahin), africana da nação Nagô, nascida na costa da Mina, liberta. Sua mãe trabalhava no comércio como quitandeira, sendo conhecida na cidade de Salvador, Bahia. Conforme texto autobiográfico do próprio Luís, a sua mãe foi detida em várias ocasiões, por se envolver em planos de insurreições de escravos, como a Revolta dos Malês (1835). Em 1837, acusada de participação na Sabinada, a sua mãe foi deportada para o Rio de Janeiro, onde desapareceu. Como nunca se converteu ao cristianismo, Luís só aos oito anos de idade foi batizado. Em 10 de novembro de 1840, o jovem, então com dez anos de idade, foi vendido ilegalmente por seu próprio pai como escravo, afirma-se que devido a uma dívida de jogo.

Luís Gama foi transportado como escravo no patacho Saraiva até à cidade do Rio de Janeiro, ficando com o comerciante Vieira, estabelecido na esquina da Rua da Candelária com a Rua do Sabão. Ainda em 1840 foi vendido para o alferes Antônio Pereira Cardoso num lote de mais de cem escravos, sendo todos trazidos para a então Província de São Paulo pelo Porto de Santos.

De Santos até à cidade de Campinas a viagem foi realizada a pé. Em Campinas ninguém o comprou por ser baiano. Os escravos baianos tinham fama de revoltosos ("negros fujões"). Já que o alferes não conseguiu vendê-lo, foi utilizado na sua fazenda em Lorena, onde aprendeu os ofícios do escravo doméstico - copeiro, sapateiro, lavar, passar e engomar.

Em 1847, quando tinha dezessete anos, o estudante Antônio Rodrigues de Araújo hospedou-se na fazenda do alferes. O jovem tornou-se amigo de Luís Gama e o ensinou a ler e escrever. Gama, conscientizando-se da ilegalidade de sua condição, evadiu-se para a cidade de São Paulo em 1848, inscrevendo-se nas milícias, onde deu baixa em 1854 na patente de cabo graduado, após ser detido por causa de um ato que o próprio Gama classificou como "suposta insubordinação" já que, segundo afirmou, apenas se limitara a responder a um oficial que o insultara. Nessa cidade, por volta de 1850, casou-se, e freqüentou, como ouvinte, o curso de Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, e não conseguiu ser diplomado por não frequentar oficialmente as aulas, por ser negro. Em 1856, retornou à Força Pública, como funcionário da Secretaria da Repartição.

Na década de 1860 tornou-se jornalista de renome, ligado aos círculos do Partido Liberal. Entre 1864 e 1875 colaborou no Diabo Coxo e no Cabrião, de Angelo Agostini, no Ipiranga, Coroaci e em O Polichileno. Fundou, em 1869, o jornal Radical Paulistano, com Rui Barbosa. Participou da criação do Club Radical e, mais tarde, da criação do Partido Republicano Paulista (1873), ao qual se manteve ligado até à sua morte, em 1882. Por volta de 1880, foi líder da Mocidade Abolicionista e Republicana.

Advogado provisionado, passou a ganhar a vida como rábula, a partir de sua demissão do emprego de amanuense por motivos políticos, ligados à veemência da sua atuação jurídica a favor da libertação dos escravos Sendo maçom pela Loja Maçônica América, tinha o apoio (inclusive financeiro) da Loja Maçônica que era abolicionista, e desta então despenderia a maior parte de suas energias em levar aos tribunais causas cíveis de liberdade.

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